segunda-feira, 14 de março de 2011

Tédio

        E o banco estava lá, sozinho. Naquela hora da madrugada era sempre assim: nem o vento parava pra lhe fazer companhia. No máximo uma chuvinha leve e rápida aparecia para movimentar um pouco as coisas, e até já tinha dado as caras, mas já fora embora. Agora era só ele. Ele, as folhas secas do chão e suas tatuagens, entalhadas por chaves. Aquela do coração com “S e E” dentro era a preferida. Dava a impressão que fora um banco importante para aquelas pessoas, um dia. Nem todo banco de praça tem essa sorte.
        Mas de repente uma garrafa de vodka parou por ali. Perto da beirada do assento, quase caindo. Já estava perto do fim, coitada, com o rótulo meio rasgado. E um cigarro foi aceso, dentro de uma concha feita pelas mãos de um rapaz que parecia mais sozinho que o banco, mesmo acompanhado pela garrafa. Ele não sentou, ficou ali chutando folhas secas, fumando o cigarro que era o mais desperto da praça, soltando aquela fumaça que bem que tentava, mas o máximo que conseguia era lembrar uma neblina. Diferente do resto, o rapaz não estava ali por estar, ele tinha algo a fazer. Pegou a garrafa pelo pescoço, tomou um gole e fez uma careta. Outro trago longo do cigarro, como tira-gosto, e já estava na hora. Ele não estava pronto, mas estava na hora. Enfiou a mão no bolso da calça e tirou uma faca. Ela reluziu, cruel, sob a luz do poste que observava a cena que estava bem tediosa até agora.
        O garoto retirou o relógio de pulso e o guardou no bolso de onde tirara a faca, estirou o braço a sua frente e travou. Uma gota salgada pulou da ponta do seu nariz nessa hora, num longo mergulho até o chão, no qual infelizmente ninguém prestou atenção. A faca abaixou um pouco, junto com o pulso, e mais gotas pularam seguindo a primeira. O silêncio foi violentamente quebrado por um soluço úmido que escapou apertado pela boca do garoto, e o ventou passou para dar uma espiada no que estava acontecendo. A boca então, junto com os olhos e resto do rosto se voltou para cima, para respirar um pouco, e o soluço parou.
        O tempo estava passando, e a faca resolveu se apressar. Se ergueu enquanto o garoto ainda olhava pro céu, faminta e concentrada. Esperou os olhos se fecharem com força e como num afago, abriu o pulso de cima abaixo. Com pressa, para não perder o ritmo, pulou para a outra mão e avançou no outro pulso e por fim relaxou. Trocou de lugar com a garrafa, no banco, e o cigarro já quase morto passou sua chama para um novo, num beijo. Os olhos, que já tinham se aberto, nesse momento se fecharam calmamente, aliviados, e depois de um outro gole e outra careta, o garoto enfim sentou-se.
        O banco, sortudo, era mais uma vez um banco especial, com suas novas tatuagens em vermelho escuro brilhando sob o olhar atento do poste e dos insetos que o rodeavam, apesar de parecer que não prestavam atenção em nada. Passado algum tempo, o cigarro se foi, e o vento passou para ver o que estava acontecendo de novo. O sangue escorria e caia, brincando de esconder-se entre os paralelepípedos do chão da praça. E a garrafa ficou lá, quase no fim, parada, fazendo companhia ao banco sem nunca secar.


2 comentários:

t disse...

eu me senti lá.
muito bom (:

Mozart disse...

Muito bom. Prosa poética em alto estilo.