sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Mudando


"A gente pede pra acontecer muita coisa na vida da gente. A gente pede pra conhecer alguém, pra acontecer alguma coisa, pra ir pra algum lugar. A gente ta sempre pedindo. Eu nunca pedi demais. Queria um homem. Só um. Um marido novo, um namorado. Um sexo que fosse, sem nem saber o nome dele, um rapaz jovem, bunito, com costas bem largas, sempre gostei, loiro... sabe, as vezes a gente, mulher, também precisa disso. E às vezes eu acho que é o que mais me falta, com o marido que arrumei. Você sabe, né, Harold chega em casa cansado, depois de passar o dia trabalhando, de lá pra cá naquela viatura... e ele ta gordo, não tem mais aquela disposição... e eu também trabalho. Tenho que organizar aquelas antas que eu tenho como funcionários... ah, você não tem idéia do stress que é ficar mandando aquele bando de imbecis fazer as coisas direito, que nem são difíceis. Eu chego na lanchonete bem, sabe, de manhã, calma, calma. Eu durmo muito bem, eu tenho muito sono. Mas quando chega a hora do almoço que aquilo lota e eles parecem umas baratas tontas, se trombando umas nas outras, hahahaha! Eu rio agora, mas na hora eu fico louca!
Mas não vamos falar disso não, não tô em horário de trabalho, não quero pensar nisso não... mas é que eu ando pensando muito nessa minha vida, sabe, nessa cidade, nesse bairro... a gente sempre pensa que merece algo mais, algo melhor, em vez de ficar só trabalhando pra ganhar a mesma merreca de sempre, trabalhando na mesma birosca de 18 anos atrás. Já são 18 anos com a lanchonete, Harold com 22 como policial, sabe, será q vai ser assim pra sempre? Essa mesma vidinha assim, até eu morrer de um ataque cardíaco de tão nervosa por quê alguém esqueceu o pedido da mesa 4? Sabe, não é o que eu planejava, na época do colégio... Eu queria um bar badalado, cheio de gente bonita, dançando lá a noite toda, e meu marido magro, forte, charmoso... Eu não queria estar tão insatisfeita, mas veja como as coisas ficaram? O que mais eu podia fazer, morando num bairro desses, numa cidade dessas, o que mais eu poderia fazer pra sair dessa vida de miséria? Eu sei que é errado, vender essas coisas, mas a gente não estaria sentado nessas cadeiras se não fosse por isso. Nem bebendo esse café, eu nem sequer estaria em casa numa hora dessas da tarde. Eu sei que é errado, não pense que não, mas, com a vida que eu levava, o que eu deveria fazer, esperar sentada alguma mudança? Um prêmio de loteria? Uma herança de algum tio esquecido? Nãaaao, Essas coisas não acontecem com pessoas reais. Muitas coisas não acontecem com pessoas reais, na vida real. Um amor a primeira vista não acontece na vida real, por exemplo. Aquela paixão de repente, que faz as pessoas lutarem pra ficar junto, isso não acontece na minha vida. Talvez aconteça na vida daquelas pessoas bonitas, interessantes, que tão sempre de bem com a vida, esbanjando beleza e sucesso, como nos filmes mesmo, você com certeza já viu um desses. Acontece na vida deles, isso. Não na minha.
Um casamento durar décadas com aquele amor, aquele carinho do início, como nos filmes, isso também não acontece. Eu sei, eu sei, você já viu casos na televisão, mas eu não acredito naqueles velhinhos felizes da Tv. Eu acreditava, mas hoje não acredito. Pra mim, aquilo tudo é falso. Falo sério, é o que eu acho. Acho não, tenho certeza!
E agora, veja só, estou mudando de vida. Tô fazendo minha mudança sozinha, com minhas próprias pernas, e tô chegando lá. Eu sei que é errado, vender esse pó no meu restaurante, mas é só por enquanto, só pra levantar uma grana. Quando tudo tiver bem, quando eu tiver um dinheirinho, eu vou parar de vender isso, eu garanto! Agora por favor, deixe eu curtir um pouco meu começo de mudança de vida, por favor? Obrigada! Hahahahaha!"